domingo, 28 de fevereiro de 2010

A "MEDICINA" DA MÃE MARIA

Octavio Pessoa Ferreira*

A interação do leitor com quem escreve é como o aplauso para o artista, falei certa feita à amiga Sandra Duailibe, grande intérprete de bossa nova. Mais gratificante, ainda, quando essa manifestação é para um cronista iniciante. Minha última crônica rendeu interações de quase todo o Brasil. “Fiquei com inveja de mim mesmo”, como diz Luciana, minha filha. E bastante motivado a retornar ao tema.

Quem nasceu ou viveu no interior, identificou situações e personagens semelhantes aos descritos na crônica "Uma Procissão “Duca”. A “medicina” praticada por Mãe Maria, da Comunidade São Sebastião, não é privilégio dela. Em cada rincão deste país, há “Mães Marias” e “Pais Joões’. Uma pena que essas figuras estejam “passando pro andar de cima” e raramente deixando herdeiros de suas habilidades.
Não se trata dos charlatões que cobram por seus “serviços” e engordam suas “burrinhas” às custas dos incautos. Mas pessoas especiais que, no máximo, recebem “agrados” de quem pode dar.

Conheci na minha infância, em Parintins, algumas dessas pessoas. A Raimunda Aracati, a Maria Peruana, Dona Ilosa e o Chico Coveiro. Eram os fisioterapeutas práticos, quando sequer existia essa admirável profissão. As dismintiduras – nervo ou osso fora do lugar – eram “puxadas” (consertadas) com fomentações (massagens) com óleo de andiroba ou de copaíba, ou com sebo de Holanda. Eles massageavam o lugar dolorido e, no momento preciso, recolocavam as coisas no lugar. Era uma dor lancinante e o efeito, imediato.

A maioria desses admiráveis “profissionais” associava à habilidade de tratar do corpo humano uma extrema fé em Deus. Assim, enquanto trabalhavam, diziam rezas fortes que, acreditavam, ajudava no resultado. Melhor ainda se o “paciente” também acreditasse.

Lembro com saudade de uma meio aparentada nossa que, vez por outra, estava em nossa casa. Pra família e agregados, ela era a “Comadre Nair”. Ela tirava quebranto – mal estar comum nas criancinhas, que ficam mofinas (tristes, molezinhas). Seria conseqüência de mau olhado. Uma reza da comadre Nair, com um galho de vassourinha na mão, era “tiro e queda” no quebranto.

Mas o que eu curtia, mesmo, era a oração que ela rezava pra carne trilhada, que, eu suponho, seriam as rasgaduras, os torcicolos. A comadre Nair usava de uma “simpatia”. Posicionava um pedacinho de pano na direção da parte do corpo que estava “rasgada” e, com a agulha e linha, costurava o paninho, enquanto rezava: “Carne trilhada, carne rasgada, nervo rendido, nervo torto, com as palavras de Deus e de São Frutuoso, o que é que eu coso?” “Carne trilhada, carne rasgada”, a gente tinha de responder.

Ela repetia a oração por sete vezes. Em seguida, vinha aquela rápida e confortante massagem. Depois, as recomendações: “Num atravesse igarapé, nem beba água de igarapé com a cova da mão; num sente em batente de porta, nem pule cerca; num ponha sua carteira no chão e nunca responda prá ninguém com mal criação”. (se não fizesse efeito prá doença, com certeza, ajudava na educação).

Há, também, “tiradas” folclóricas dessas figuras pitorescas. Em Óbidos (cidade localizada na parte mais estreita do rio Amazonas, no Oeste do Pará), havia um velho italiano que pesquisou muito, se apaixonou por essa “medicina” e passou a praticá-la. Ele ia de porto em porto, de casa em casa, curando os ribeirinhos e “consertando” tudo pela frente.

Certa feita, ao saltar da canoa, foi recebido por um cachorro de latido tão alto e esganiçado que ecoava doutro lado do rio Amazonas. O viralata não permitia que o “doutô” entrasse no terreiro. Gesticulando muito, ele grita com o sotaque calabrês:

- Oh, senhora! Tire esse perro de cima de mim!

- Não tem probrema, ele é capado! – respondeu com aquela fala de boca de chupar ovo, a velhinha que acabara de comer um tucunaré com farinha baguda.

- Eu tenho medo que ele me morda, cáspite! Não que ele me f...!

*Otávio Pessoa, jornalista, advogado e auditor federal de controle externo.

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