domingo, 31 de janeiro de 2010

"TRANCA ESSE VELHO E MATA"

Octavio Pessôa Ferreira*

A chegada do navio "Princesa Leopoldina" deixou o porto de Parintins mais agitado.

Sucesso maior do que quando chegava o "Leopoldo Peres", o "Lobo D’Almada", o "Lauro Sodré" ou o "Augusto Montenegro", navios da chamada linha branca do Snapp, depois Enasa, que tiveram uma importância enorme para as cidades da calha do rio Amazonas. Só comparável aos famosos Itas - Itacoatiara, Itapajé, Itapé, Itaquicé e Itassucé -, da Companhia Nacional de Navegação Costeira, para os nativos das capitais litorâneas, no rumo do Rio de Janeiro, no início do século passado, fonte de inspiração de Dorival Caymmi na música “Peguei um Ita no Norte”, que depois inspirou nosso Nilson Chaves, em “Não peguei um Ita”.

O Princesa Leopoldina, como seus similares "Princesa Izabel" e "Rosa da Fonseca", era navio de porte maior e conduzia muitos turistas, especialmente gringos que iam até Manaus.

Para os alunos do colégio, a chegada do navio do Loyd Brasileiro era uma rara oportunidade de praticar o Inglês aprendido por gramática, com a irmã Maria do Carmo, puxando conversa ou dando alguma informação aos estrangeiros.

O Bené, grande figura, que fez esta trovinha pro colega Custódio “Custódio, amigo Custódio/ Que nome feio tens tu/ Teu nome termina com ódio/ E começa pelo ...”. Pois bem, o Bené levou seu pai, o velho Raul, prá conhecer o navio. Já estávamos todos, como diziam os locutores de antigamente, devidamente amesendados. Nativos e gringos compartilhando o bar, com o possível diálogo estabelecido. De repente um gringo, que mais parecia um orangotango, pede ao Bené:

- Give-me the sugar, please.

O Bené passa-lhe o açúcar, todo feliz por ter entendido. O velho Raul, que estava sentado em frente ao gringo, olhou por baixo dos óculos e deu uma tufada nos lábios, seu cacoete quando ficava nervoso. O gringo encara seu Raul, antes de responder ao Bené.

- Tank you very much.

Vermelho que nem um tomate, velho Raul desce do banco alto, tira os tamancos e sai como um azougue pelos corredores do navio. Desce as escadarias e a prancha que ligava o navio ao trapiche, como um bólido, indo cair lá junto do galpão, tremendo que nem vara verde. Até desmaiar.

Bené interrompeu a gostosa Budwaiser que degustava, já de olho numa gringuinha branquela, de olhos azuis, perna fina e bunda seca. Saiu atrás do velho.

Uma roda de gente já circundava velho Raul. Dona Bereca, esposa do Santana, administrador do porto, não parava de abanar o pobre coitado, que aos poucos foi retornando. A velha senhora deu-lhe logo uma cuia de carimã, que ele sorveu de uma só golada. Bené perguntou-lhe, então, com toda calma, o que o assustara tanto. Ele baixou a vista, meio encabulado e respondeu:

- Ara...Antão tu num viste o que aquele gringo falou? “Tranca esse velho e mata!”

* Jornalista, advogado e auditor federal de controle externo. O blog passa a publicar, semanalmente, crônicas do autor.

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